segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Futebol e polítca: uma relação brasileira mais que explícita

Santinhos de ex-jogadores e esportistas nas eleições gerais de 1986.

 "Futebol e política (e religião) não se discutem", assim diz um famoso mantra nacional. O fato é que a relação do futebol com a política no Brasil transcende gerações e antecede o discurso de que não se deve misturar o esporte bretão a política. No Vitória em específico a política sempre esteve presente na vida do clube. Desde sua fundação até a década atual não faltou no conselho do clube políticos entre a dirigência e o conselho do Leão da Barra. O fato vivenciado no rubro-negro ao longo dos seus 118 anos faz também parte de outros diversos clubes do futebol nacional. De Norte a Sul a cartolagem política se fez presente no esporte mais querido da nação, seja por paixão ou promoção eleitoral.

 Para começar a entender a síntese precisa-se entender primeiro a anatomia dos dois tipos de personagens. Há o boleiro-político e o político-boleiro. O primeiro geralmente se vale de sua carreira nos gramados e já com as chuteiras penduradas adere ao terno e a gravata das sessões congressuais. A exemplo tem-se os ex-craques noventistas: Romário (senador pelo Podemos-RJ) e Bebeto (deputado estadual pelo PDT-RJ), - tendo este último jogado no Vitória em 1997. Por sua vez o político-boleiro associa-se a cartolagem. Estes por sua vez trocam as camisas sociais dos camarotes de estádios pelo blazer das plenárias. Por aí destaca-se o mineiro Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético-MG, que hoje exerce o cargo de prefeito de Belo Horizonte.


O boleiro-político:

 Enquanto a ditadura militar regia a nação brasileira, nos campos do Maracanã cabelos longos era sinônimo de rebeldia. Isso para Afonsinho que foi ordenado por superiores botafoguenses que cortasse o cabelo e aparasse a barba para prosseguir no clube. O meia optou por deixar o clube e em seguida tornou-se o primeiro atleta a ser dono do próprio passe. Mais de quinze anos depois do ocorrido, precisamente em 1986,  o Brasil estava em plena redemocratização. Sem militares, e com uma pluralidade partidária, o ex-craque alvinegro pode enfim se candidatar pelo PSB nas eleições gerais para deputado federal pelo Rio de Janeiro. Se outrora somente poucos boleiros pleiteavam nas eleições, agora junto de Afonsinho havia outros vários. Ele tinha o apoio de Sócrates, Roberto Dinamite e de Ricardo, então zagueiro do Fluminense.

 Porém, não era o único. Além dele, estavam entre os candidatos: o ex-lateral de Cruzeiro e Atlético-MG, Nelinho, com a sigla do PDT e pelo passe livre no futebol. Havia também o pecebista Jurandir, campeão mundial em 1962, o peemedebista Luís Neto, goleiro do Santa Cruz apoiado por Miguel Arraes, além de outros atletas candidatos de ponta a ponta do país.
Em 1986, o lateral Nelinho foi candidato pelo PDT.

 Na Bahia, ver os ex-craques nas tribunas políticas não era tamanha novidade. De curta carreira pelo Vitória, o ex-zagueiro Roberto Rebouças que figurou na defesa do Bahia na década de 70 elegeu-se vereador pelo ARENA ainda em 1976, dois anos antes de se aposentar das quatro linhas. Mais de uma década depois, seu companheiro de zaga nos tempos de Vitória, o defensor Medrado, governou a cidade Érico Cardoso-BA como prefeito de 1989 a 1992.


O político-boleiro: 

 O fato é que nos tempos do regime militar, a politicagem fazia-se presente no futebol somente na alta cúpula dos clubes, ou seja, na dirigência. Em 1964, o futebol sergipano vinha se reerguendo sob a gestão do comunista Robério Garcia, irmão do governador udenista Luiz Garcia. Quando os militares assumiram e a caça ás bruxas foi imposta, os dois deixaram seus cargos para dar início a era dos gestores biônicos.

 Como disse certa vez o jornalista Marcos Barrero: "nenhum político a rigor, resiste a pelo menos um leve toque num bom troféu". No estado de Sergipe, os políticos se disseminaram com o futebol. Eles tem seus nomes em estádios e até vestem a camiseta dos clubes. No Club Sportivo Sergipe, o ex-vereador do PTB, Antônio Soares da Mota, conhecido como Motinha, presidiu o colorado por cerca de três décadas, deixando o comando somente por determinação judicial. Após sua saída em 2010, dois grupos passaram a disputar a presidência do time aracajuano. Em 2013, o Sergipe voltou a conquistar o Campeonato Sergipano após dez anos de jejum. Em sua presidência, estava Reinaldo Moura, pai do deputado federal e líder da base aliada de Michel Temer no congresso, André Moura. Reinaldo deixou a presidência do Sergipe no ano posterior e se candidatou para deputado estadual pelo PSC, mesmo partido do filho. André, que chegou a render homenagens ao clube colorado no congresso em Brasília, foi também prefeito da cidade de Pirambu, onde dirigia o Olímpico Pirambu Futebol Clube. Este ano ele chegou a ser condenado a pagar R$ 1,4 milhões e também a perder seus direitos políticos por repassar repassar verbas ao clube de forma fraudulenta. O ex-prefeito de Aracaju e ex-governador de Sergipe, João Alves Filho, chegou a vestir a camisa do Sergipe depois da conquista do estadual.
O deputado federal do PSC, André Moura e o petista Silvio Santos inauguram um campo de treinamento do Sergipe.

 Após a gestão de Reinaldo, o Sergipe voltaria a conquistar o estadual novamente em 2016. Dessa vez seu presidente era Silvio Santos, que também preside o Partido dos Trabalhadores no estado e atualmente exerce o cargo de secretário de cultura em Aracaju. Silvio deixou o clube neste ano, após acusações de caixa 3.

 A situação não é tão diferente no Confiança. O 'proletários' como são conhecidos os torcedores do Dragão, são presididos pelo jovem Hyago França, filho do ex-presidente do Confiança, Fernando França, que foi vereador e deputado estadual. A família França atua no campo político na cidade de Carmopólis, onde a viúva de Fernando, Esmeralda Mara foi prefeita. Lá, Fernando França foi patrono do River Plate, clube que sucedeu o tradicional São Cristovão e recebia incentivos da prefeitura. Com a morte de Fernando em 2011, o River não demorou muito e desapareceu do cenário futebolístico no estado de Sergipe. Porém, seus sucessores ainda seguem no comando da equipe azulina, embora a família França tenha deixado a prefeitura de Carmópolis após as eleições de 2016.

 Na Bahia, a noviça cartolagem foi quem aderiu a política. Em 1899, quando o Vitória foi fundado pelos irmãos Valente e outros diversos jovens, os rapazes moradores da Barra e Corredor da Vitória seguiam um espírito republicano. Entre eles, estava Fernando Koch, segundo presidente da história do rubro-negro, que assumiu a presidência dezoito dias depois da fundação. Koch foi mesário nas eleições de 1892 na freguesia da Vitória, e como influente figura política que era, se candidatou em 1912 para deputado estadual. Mas diferente de dirigentes futuros, Koch não se valeu do Vitória para promover-se a deputado. Nos anos 90 a história foi diferente. Paulo Carneiro, então presidente rubro-negro, trouxe Antônio Carlos Magalhães duas vezes ao clube. Uma em 1993, com o Brinquedo Assassino a todo vapor no Brasileirão e a outra em 1997 com as contratações de Bebeto e Túlio pro elenco do Leão da Barra. Em 1998, PC se valia de ter conquistado o tricampeonato estadual com o Vitória e Nordestão no ano anterior e assim saiu pra deputado estadual pelo PPB com o jingle: "Seu voto de amor ao Vitória/Rubro-negro de fé e leal/Meu voto é 11.101/Paulo Carneiro deputado estadual". Com outdoors rubro-negros, Carneiro se elegeu mais de 30 mil votos na Bahia.
Outdoor rubro-negro de Paulo Carneiro, em 1998.

 Além dele, o presidente do Bahia, Marcelo Guimarães se elegeu com a legenda do Partido Liberal e pouco mais de 55 mil votos. O Bahia que outrora havia sido presidido pelo pecebista Carlos Costa Pinto, amigo pessoal de Marighella, passou a ser entregue ao nepotismo da família Guimarães. Quando, Marcelo pai deixou a presidência do clube em 2005, seu filho, Marcelo Guimarães Filho, exercia o cargo de deputado desde 2003 pelo PMDB. Mas não só de Guimarães viveu o Bahia. Paulo Maracajá, importante dirigente do rival nos anos 70 e 80, foi também deputado pelo PDS de 1983 a 1994. Conta-se que em um BaVi de 1978 pelo Brasileirão, onde o Bahia vencia por 4 a 0, Maracajá pediu aos jogadores para pararem de fazer gols, pois havia um dirigente rubro-negro que era membro do ARENA e isso poderia prejudicá-los eleições vindouras. Os principais atletas tricolores, Douglas e Beijoca recusaram o pedido do cartola, mas ainda assim a partida terminou no 4 a 0.

 Além de Guimarães e Carneiro, 1998 foi marcado por outros diversos políticos da bola disputando eleições. No Rio de Janeiro, Roberto Dinamite, então ídolo do Vasco e o presidente vascaíno Eurico Miranda se elegeram. O primeiro com modestos 44 mil votos tornou-se deputado estadual. Já Eurico com quase 106 mil votos em seu nome se elegeu pelo PL para deputado federal. Dono de uma reputação polêmica, Eurico é amado e odiado por vascaínos até hoje em dia. Sua família fugiu de Portugal temendo os maus ventos do salazarismo. A postura de Eurico a frente do Vasco porém, não se diferiu do ditador lusitano. Desde 1967 participa da vida política no clube cruzmaltino e nos anos 80 chegou a vice presidência. Pra deputado fez um trabalho de base com os torcedores vascaínos, porém foi derrotado em 1990. Em 1994, aliado a Força Jovem - principal organizada vascaína -, que chegou a fiscalizar urnas pra ele, se elegeu enfim deputado. Porém afastou-se do seu eleitorado e passou a ajudar clubes do interior carioca. Nos jogos do Vasco, era comum o coro de "Eurico 171", entoado pelos organizados em referência a traição do dirigente.
Eurico Miranda, eleito por mais de 100 mil cariocas na década de 90.

 Tanto Eurico como o ex-arenista, Marquinho Chedid tiveram o sigilo telefônico quebrado na CPI do Bingo nos anos 90. Diferente dele, o deputado paulista e atual presidente do Bragantino teve telefonemas revelados em relação ao bingo ilegal. Os dois lutaram no congresso contra a Lei Pelé, que previa profissionalizar os clubes e punir os dirigentes em casos em que fossem apuradas irregularidades. As acusações pesaram, e nem Marquinho, nem seu pai o ex-cartola do Bragantino e da CBF, Nabi Abi Chedid conseguiram se eleger como deputados em São Paulo em 1998.
Para administrar o Bragantino, Nabi Abi Chedid inspirava-se no italiano Silvio Berlusconi, ex-dirigente do Milan e ex-Primeiro Ministro do país. 


 Diferente do Rio Grande do Sul, onde os ex-cartolas da dupla GreNal, Paulo Odone (Grêmio) e Zachia (Inter) conseguiram se eleger como deputados estaduais. A situação se repetiu em Minas também, onde Zezé Perella, presidente do Cruzeiro, envolvido no escândalo do 'helicoca', foi eleito como deputado federal com 185 mil votos. Diferente dele, seu rival, o presidente atleticano Paulo Curi angariou somente 7 mil votos para deputado estadual naquele ano.

 A promoção política pelo futebol antecede os cartolas noventistas. Wadih Helu por exemplo, trouxe para o Corinthians em 1966 ninguém menos que Garrincha. O Anjo das Pernas Tortas subiu mais em palanques do que pisou em gramados pelo clube e acabou virando um cabo eleitoral para Helu, que se elegeu deputado com mais de 13 mil votos pelo ARENA. Anos mais tarde Helu acusava a TV Cultura, canal estatal de São Paulo, de estar fazendo reportagens anti-governistas e proselitismo com os comunistas. Essa 'denúncia' tomou força junto ao depoimento de outro importante cartola do futebol brasileiro: José Maria Marín. Após quinze dias, os militares acompanhados do torturador-mor Sérgio Fleury Filho (também assassino de Marighella), levaram Vladimir Herzog para interrogação. Herzog, foi torturado e morreu na mão dos militares. Marín, mais de trinta anos depois tornou-se presidente da CBF após a temerária gestão de seu antecessor Ricardo Teixeira. Além de cercear a liberdade de imprensa, Helu também foi responsável por represálias a torcida organizada Gaviões da Fiel, que surgiu em 1969 e fazia oposição a ditadura militar. As ações do cartola fazem jus a uma famosa frase do ídolo corintiano Sócrates: "é o grande medo deles, ver a Gaviões politizada".

 De sobrenome sugestivo, o ex-presidente do Botafogo, Charles Borer era um exímio apoiador da ditadura militar. Acusado de matar um trabalhador na década de 50 e de comprar árbitros enquanto cartola alvinegro, Charles era uma figura indigesta entre a cartolagem. Não muito diferente dele, seu primo, o ex-policial João Macedo, que participou da morte de Marighella em 1969, passou a presidir o Fluminense de Feira em 1977, porém acabou suspenso por um ano por agredir um árbitro. Não demorou muito e virou a folha, para dirigir o também baiano Leônico. Pelo Moleque Travesso, acusou jogadores da dupla BaVi de tomarem estimulantes antes das partidas, tendo dito que havia até vídeo gravado, porém, Macedo jamais o apresentou. Ainda como dirigente grená acusou um árbitro de corrupção sob a mesma égide da fita gravada, que também nunca se comprovou.

 Na história mais recente do futebol, é provável que nenhum cartola tenha tido a ascensão meteórica de ninguém menos que Fernando Collor de Mello. Muitos anos antes de ser eleito como presidente do Brasil, Collor, então aos 24 anos entrou para o conselho deliberativo do CSA. No dia 7 de agosto de 1973 estava entre os conselheiros do clube azulino, e menos de um mês depois, em 3 de setembro, foi empossado como presidente do Club Sportivo Alagoano, sendo eleito por aclamação. Assumiu porém, quatro dias depois, no feriado de 7 de setembro, que marcava os 60 anos do time alagoano. Para a sua gestão, Collor prometia que não faria política dentro do clube, mesmo sendo filho de um político - o senador Aron Mello era seu pai -. No tempo em que passou pelo Azulão, Collor projetou-se ao conquistar o estadual e conseguir o direito de disputar o Brasileirão. Collor dirigiu o CSA somente de 1973 a 1974, quando deixou a presidência do clube para a vida pública quando sua mãe Leda Collor de Melo foi eleita deputada federal pelo ARENA.
Collor: da presidência do CSA a presidência do Brasil.

 A ditadura mostrou-se presidente no cotidiano do futebol brasileiro de diversas formas. E de forma recíproca o futebol e seus regentes fizeram-se na vida pública desde a ditadura até a atualidade. Fato é que no regime militar até mesmo um almirante da marinha presidiu a Confederação Brasileira de Desportos. Heleno Nunes passou e a CBD também. Restou para o futebol brasileiro a CBF e as chagas da ditadura permaneceram, seja na corrupção voraz de Ricardo Teixeira, ou no obscuro passado de José Maria Marín.

5 comentários:

  1. Vc esqueceu da falar de Bobo que também teve a carreira política

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    1. Poderia ter citado mesmo. Mas o foco do texto são os políticos-cartolas.

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  2. Almirante da Marinha é pleonasmo, pois só existe almirante na Marinha !
    Bobô, Zé Carlos, Ronaldo Passos, Marcelo Ramos ingressaram na política !
    Caso similar ao de COllor: Macri na Argentina. ex-cartola do Boca.

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    1. Stefano, bem sabemos que almirante é uma patente somente da marinha, mas é importante destacar, visto que as hierarquias militares não são algo de sabedoria popular.

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  3. Em 2001 fui na premiação dos melhores do Nordestão 2001 no Othon Palace.
    Estavam n dirigentes e atletas lá. O presidente do CSA era Arnon Neto. (Filho de Collor)

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