terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Eleições no EC Vitória: a torcida precisa cobrar dos candidatos!


Ufa, ficamos! A sensação na torcida do Vitória é somente uma: alívio. E, apesar de tudo, estamos na Série A do Campeonato Brasileiro de 2018. Mas a torcida também sabe que não precisávamos passar por tanto sofrimento e que podemos muito mais do que lutar para não ser rebaixados. Foi a incompetência das últimas diretorias a culpada pelo sufoco e decepções, todos nós sabemos. E é por conta disso que nas eleições que se aproximam, para escolher o futuro presidente do EC Vitória, os/as associados/as devem escolher um candidato que se comprometa ser mais eficiente, menos amador, mais capaz de administrar o clube.

Nós concordamos, pois também queremos um time vencedor. Entretanto, pedimos à torcida que não se esqueça de outra coisa. Não podemos retroceder na única grande conquista dos anos de aperto: a democratização do clube. É graças a esta democratização que o clube passa a ser do/a seu/sua torcedor/a, e poderemos agora escolher entre os candidatos e, se for o caso, tirá-los se não estiverem fazendo um bom trabalho ou usando do clube para alcançar fins escusos. É graças a ela, a democracia, que poderemos participar desse curto período eleitoral, e os candidatos terão que vir até nós para prometer algo em troca do nosso voto. Portanto, o futuro presidente não será mais uma vez escolhido às portas fechadas por conselheiros que não representam a diversidade da massa rubro-negra.

Alguns propagam que entre democracia e títulos, ficam com o segundo. Nada mais falso! A democracia já mostrou ser uma forma de gestão muitíssimo mais eficiente do que as gestões autocráticas e ditaduras. A democracia, mesmo que ela seja limitada, permite que nossas opiniões sejam ditas e que exijamos formas de controle sobre os administradores/governantes. Sem os mecanismos democráticos, estaríamos muito mais ferrados no Vitória, no país, no mundo! Ampliar a democracia no Vitória é tornar do clube uma organização mais eficiente.

Pois bem, a Brigada Marighella luta pela democratização do Vitória desde sua origem e gostaríamos de convidar a torcida para fazer o mesmo junto com a gente e tantos outros. Cobre dos candidatos o compromisso com a abertura do clube, mas cobre propostas concretas, nada de palavras vazias. O que os candidatos tem a nos oferecer? Como participaremos das decisões importantes no EC Vitória de agora para frente? Qual poder e relevância terão os/as associados/as e torcedores/as caso A ou B vença as eleições?

Além disso, acreditamos que um time democrático é também um time popular. Precisamos cobrar dos candidatos respostas concretas a respeito, por exemplo, do Barradão. O Barradão mudou a história do Vitória e graças a ele somos um time com a torcida presente em todos os bairros de Salvador, principalmente os mais pobres. Estamos em todo o estado e o Vitória já não joga sozinho por mais distante que esteja sendo o jogo. Não queremos que façam do Barradão uma arena fria, elitista, segregadora e com ingressos caros. O Barradão é o lugar de festa, da alegria, da comunhão entre rubro-negros/as e, sempre, dos que se sacrificam para poder acompanhar um jogo do nosso time. Abrir mão do caráter popular do Barradão seria voltar para o passado no qual só os ricos torciam para o Vitória. O que os candidatos pretendem fazer com o Barradão e como pretendem ampliar a participação de todos/as os/as torcedores/as no estádio? É preciso que respondam desde já, de forma objetiva.

Torcedor/a do Vitória: é hora de cobrar! Candidatos, queremos propostas concretas!

Brigada Marighella

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Futebol e polítca: uma relação brasileira mais que explícita

Santinhos de ex-jogadores e esportistas nas eleições gerais de 1986.

 "Futebol e política (e religião) não se discutem", assim diz um famoso mantra nacional. O fato é que a relação do futebol com a política no Brasil transcende gerações e antecede o discurso de que não se deve misturar o esporte bretão a política. No Vitória em específico a política sempre esteve presente na vida do clube. Desde sua fundação até a década atual não faltou no conselho do clube políticos entre a dirigência e o conselho do Leão da Barra. O fato vivenciado no rubro-negro ao longo dos seus 118 anos faz também parte de outros diversos clubes do futebol nacional. De Norte a Sul a cartolagem política se fez presente no esporte mais querido da nação, seja por paixão ou promoção eleitoral.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

REPÚDIO A MAIS UM CASO DE RACISMO NO FUTEBOL BAIANO


No último clássico entre Bahia e Vitória, no dia 22 de outubro, nos deparamos com mais um caso de racismo no futebol baiano. Dessa vez, foi o atacante rubro-negro Santiago Tréllez que foi acusado de proferir palavras que abalaram o meio campo tricolor, Renê Santos. Nós, membros da torcida antifascista e antirracista Brigada Marighella, repudiamos o fato, e reivindicamos que os dois clubes tratem a situação por meio de pessoas devidamente qualificadas para abordar casos de racismo, envolvendo pedagogias e especialistas que possam primordialmente cuidar da vítima e evitar a perpetuação desses casos. O enfrentamento ao discurso de ódio, seja qual for, não se dá meramente por mecanismos punitivista, principalmente no atual sistema judiciário brasileiro.

Casos de racismo têm sido colocados à tona recentemente no futebol baiano, e enfrentam o persistente mito de que aqui é um "paraíso da democracia racial". Vale lembrar que em 2017 tivemos atos racistas de torcedores que afetaram o meio campo Feijão de Ogun, do Bahia. Também tivemos denúncias de que o zagueiro Lucas Fonseca, do Bahia, proferiu ofensas de cunho racistas ao também zagueiro Kanu do Vitória no primeiro BaxVi do ano, mas não foi sequer discutido pela grande imprensa esportiva. Nessa segunda situação, se pessoas capacitadas fossem convidadas a se pronunciar por meio da imprensa, ou discutir internamente nos clubes, teríamos menos chances de uma repetição agora.

O futebol, algo chave para forjar uma identidade baiana a partir do século XX, não ficou de fora das chagas de uma região que fora um polo escravista internacional durante quase quatrocentos anos. Os seus dois principais clubes, Bahia e Vitória, são originários de elites posteriormente incumbidas de implementar estratégias de branqueamento na nossa sociedade. Nos seus anos primeiros, o futebol baiano testemunhou diversas expressões desse processo, como a proibição da prática do futebol popular nas ruas.

O racismo também estava expresso no estatuto do clube Yankee, que proibia negros e trabalhadores braçais no seu quadro de associados. Ou mesmo as diversas cisões das ligas desportivas, onde o próprio Victória e o Bahiano de Tênis (origem do atual E.C. Bahia) se negaram a atuar nos mesmos certames que clubes de origem negra e popular. Porém, ambos, tornaram-se paulatinamente clubes que arrebatam multidões negras, e tiveram que tecer estratégias de ocultamento dos seus conflitos raciais, com ajuda da grande imprensa. Nada diferente do conjunto da sociedade baiana.

Vivemos em uma terra na qual determinados códigos racistas são naturalizados a fim de manter a imensa desigualdade entre negros e brancos - usar o termo "neguinho" num contexto pejorativo, é um absurdo comum da nossa gramática-, mas que não conseguem escapatória ao se fazer uma leitura apurada das estatísticas, haja vista os dados de encarceramento e os de homicídios. São códigos que se interseccionam profundamente com questões de classe e gênero no nosso dia a dia, e no futebol se refletem nos corpos e concepções que controlam as suas diretorias e processos políticos, no atual modelo de gentrificação dos estádios e arenas, e todas as formas de coisificação do torcedor.

No caso mais recente, ao que as evidências indicam, Tréllez saiu de códigos naturalizados aqui, chamando Renê de macaco. Depois, para negar a ofensa, engendrou códigos de uma sociedade com semelhanças à Colômbia, seu país de origem, onde a presença negra e a miscigenação são significativas, e enfatizou a sua herança paterna e um autorreconhecimento negro. No fim, ele não nega ter chamado Renê de macaco. Sabemos que não falta no Brasil, principalmente na Bahia, gente racista que sempre utiliza argumentos como estes a fim de não enfrentar o racismo. O racismo brasileiro é tão perverso que até a tipificação criminal nesses casos de ofensas têm se demonstrado um aliado, pois, ao não chegar às vias de uma condenação, abre-se possibilidade para negar o ocorrido. Não há nada de sutil no racismo no Brasil ou qualquer outro país da América Latina.

Vimos nos representantes dos dois clubes, e na grande imprensa, atos que demonstram incapacidade de tratar do problema. Técnicos, jogadores e dirigentes, dos dois lados, não conseguiram captar a profundidade da indignação de Renê Santos, e consequentemente não ofereceram leituras, atos e propostas consistentes para o problema. Levaríamos muitas linhas para problematizar cada resposta ao ocorrido de Carpegiani, Wallace, Mancini e Marcelo Santana. Dizer-se contrário ao racismo é apenas um passo. Temos que enfrentar também as estruturas que o perpetuam nas suas ambiguidades, a falsa meritocracia, e a expropiação da cultura negra. Discursos de ocasião não ajudam muita coisa. Muito menos criar uma ilusão que são casos excepcionais a fim de tapar as chagas do racismo presente no passado e presente dos dois clubes.

No caso do Vitória, nosso papel de apontar responsabilidades é ainda maior, pois somos torcedores desse clube. Foi lamentável a atitude do presidente em exercício Agenor Gordilho em tentar amenizar a situação. Nos fez recordar a sua herança, quando o chefe de Polícia Pedro Azevedo Gordilho, perseguia capoeiras, sambistas e praticantes de religiões afro-brasileiras entre os anos 1920 e 1930 em Salvador. Espera-se uma atitude mais objetiva deste e demais dirigentes do clube para não repetirmos ações como a do ex-presidente Paulo Carneiro, que proferiu ofensas racistas ao goleiro Felipe em 2005, e utilizou as mesmas desculpas de Tréllez.

Força, Renê!

Salvador, 23 de outubro de 2017.
 

Brigada Marighella

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Popó... o artilheiro baiano que driblou o racismo

Popó pela Seleção Bahiana em 1934.


 Se na década de 10 o futebol baiano era um reduto de racismo, proclamado pelos times da elite, dentre os quais o próprio Vitória, essa situação começaria a cambiar na década seguinte. Quando a Liga Bahiana de Desportos Terrestres passou a permitir a entrada de jogadores negros na competição, o próprio Leão da Barra se opôs a ideia, e assim acabou ficando recluso do futebol no restante da década. Em revés disso, o Ypiranga fundado em detrimento do aniversário da Independência do Brasil, por jovens que estavam ás margens da sociedade, nasceu com um espírito de revolucionar o futebol local.

 É nesse cenário, num misto de elitismo e popularidade que se encontrava o futebol baiano no início do século 20. O Vitória que nascera como clube de cricket, era discriminado por rapazes ingleses, e tal discriminação segue já no futebol. Por via disso, um rapaz negro, chamado Apolinário Santana ganhara destaque na história do desporto baiano e nacional. Ele era conhecido nos gramados como Popó, fora dele seu nome de batismo já nomeou rua em Salvador e também a taça do Baianão de 2002, ano em que o rubro-negro levantou o caneco. 
Um esboço do Craque do Povo com a camisa do Ypiranga.

 Popó se destacou no em clubes como o Botafogo-BA, São Benta-BA, Bahiano de Tênis... mas foi com a camisa do Ypiranga seus maiores feitos. Não é atoa que é até hoje o maior ídolo do clube, e também na época era o craque preferido de Jorge Amado. Tal como o escritor, ele era adorado também pela beata Irmã Dulce. Os feitos de Popó não se resumiram aos títulos, foi pioneiro ao se tornar o primeiro jogador negro de destaque nacional, e foi o Ypiranga também um clube pioneiro no quesito do ingresso dos negros no futebol, fato que ocorreria com o Vasco da Gama em seguida. Em campo, uma de suas maiores façanhas foi quando em um amistoso contra o Fluminense no Campo da Graça, marcou os cinco gols da vitória aurinegra em 5 a 4. Os jornais cariocas noticiavam no dia seguinte: "Popó 5 x 4 Fluminense". E dessa forma, qualquer outro jogador que se destacasse em um confronto diante do tricolor era apelidado de Popó. 

 Com a camisa do Vitória, Popó jogou somente duas partidas. A primeira ocasião foi 05 de abril de 1923, quando o São Bento o emprestou para o Leão jogar um amistoso contra o Fluminense. É dessa forma, que Apolinário Santana atravessou barreiras no esporte bretão. O Vitória que anos antes negava os futebolistas negros em sua liga, recebia agora um destes de braços abertos. E isso contribuiu para que portas fossem abertas para outros futebolistas negros, tanto no Vitória como no futebol baiano. Tais quais como Bahianinho, Siri, Juvenal e por aí seguindo. No amistoso disputado em uma quinta-feira na Graça, Popó marcou de pênalti pro Vitória e Coelho fez pro Fluminense, tendo o jogo terminado em 1 a 1. Mais de dez anos depois, em 20 de março de 1934, outro amistoso reuniu Popó e o Vitória. Novamente na Graça, pra um público de 335 espectadores, Raul Coringa e Popó - de novo de pênalti - marcaram na vitória em 2 a 1 sobre a Seleção Paulista, que naquele ano ainda viria a ser vice-campeã nacional para a Seleção Bahiana. Pelo triunfo diante do time da Pauliceia, o Vitória ainda foi presenteado com uma taça.

 A popularidade do atleta ia as alturas. Recebeu alcunhas como "Terrível" e "O Craque do Povo". Mas nem tudo foram flores. Popó encerrou a carreira em 1937, tendo sido seu último clube o Madureira-RJ, e terminou a carreira de jogador já pobre, pedindo esmolas no entorno da Fonte Nova. O fato se assemelha ao destino de outro jogador negro do futebol baiano. Perivaldo, ex-atleta do Bahia, que desde 2014 trabalha no Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Saferj), viveu nas ruas de Lisboa como sem-teto até 2013, tendo de vender roupas usadas para se sustentar. Popó que depois dos tempos áureos nos gramados tornou a viver a margem da sociedade, morreu nesta mesma data, 17 de fevereiro, no ano de 1955.

Poemas:

Jogadores?! Nem se conta!
Mas foi o rei, isto é sabido,
Apolinário Santa
Popó seu apelido
Foi Botafogo e Ypiranga
Não brigava ou tinha zanga
Era um Deus enaltecido 
(Por Edson Bulos)

Chuta, chuta, Popó chuta
Chuta por favor
Mela, mela, mela, mela
Mela e lá vai gol
(Cantiga junina soteropolitana da primeira metade do século 20. O termo 'mela' significa drible.)

1987.
Estava em Salvador.
Cascavilhando a mim mesmo.
Cidade alta, velha pensão. 
Um quartinho onde viveu o jovem Jorge Amado.
Paisagem diferente da mansão á beira mar onde morreu.
O homem que era nada. 
O homem que tornou-se cravo e canela. 
Lembro que me emocionei na paisagem do escritor ainda moço.
E fiquei olhando para aquele mar de todos os santos e comunistas.
A vida é o Pelourinho da alma.
Dona Flor?
O remédio.
Durante minha estada em Salvador. 
Futebol era assunto de conversa.
Popó!
Um senhor de cabelos brancos e cigarro nos lábios
me contou a seguinte história:
"Popó!"
Salvador de todos os santos e negros era branca.
Pelo menos nos times de futebol. 
Até chegar o Popó.
Popó de habilidade incomparável.

Jorge Amado gostava da bola.
De política. 
Mas como futebol podia ser branco?
O Ypiranga se revolta.
"Trabalhadores de todo mundo, jogai bola"
Salvador assiste horrorizada a plebe rude fazendo gol.
Jorge Amado se veste de amarelo.
Naquela mesma casa pobre.
Olhos postos no mar.
Popó marcando gols.
Jorge Amado não resiste.
Campo da Graça.
O jovem escritor grita gol de Popó.
Ao seu lado.
Uma menina e seu pai.
Pulam em delírio.
Jorge Amado se abraça aos dois.
O comunista e a santa.
Não resisti e perguntei:
"Santa?"
O velho senhor de cabelos brancos e cigarro nos lábios, sorri.
"Pois é.... Irmã Dulce já era torcedora do Ypiranga!"

Escureceu.
Já não havia homem velho.
Já não havia cigarro.
Apenas o mar da infinita Salvador. 
Voltei caminhando para a pousada. 
O farol me indicando o descaminho.
Eu e meus pensamentos.
O futebol era Dona Flor e seus dois maridos.
Terra de comunistas.
E santos.
Todos os santos...

(O Comunista e a Santa, de Roberto Vieira)