segunda-feira, 23 de outubro de 2017

REPÚDIO A MAIS UM CASO DE RACISMO NO FUTEBOL BAIANO


No último clássico entre Bahia e Vitória, no dia 22 de outubro, nos deparamos com mais um caso de racismo no futebol baiano. Dessa vez, foi o atacante rubro-negro Santiago Tréllez que foi acusado de proferir palavras que abalaram o meio campo tricolor, Renê Santos. Nós, membros da torcida antifascista e antirracista Brigada Marighella, repudiamos o fato, e reivindicamos que os dois clubes tratem a situação por meio de pessoas devidamente qualificadas para abordar casos de racismo, envolvendo pedagogias e especialistas que possam primordialmente cuidar da vítima e evitar a perpetuação desses casos. O enfrentamento ao discurso de ódio, seja qual for, não se dá meramente por mecanismos punitivista, principalmente no atual sistema judiciário brasileiro.

Casos de racismo têm sido colocados à tona recentemente no futebol baiano, e enfrentam o persistente mito de que aqui é um "paraíso da democracia racial". Vale lembrar que em 2017 tivemos atos racistas de torcedores que afetaram o meio campo Feijão de Ogun, do Bahia. Também tivemos denúncias de que o zagueiro Lucas Fonseca, do Bahia, proferiu ofensas de cunho racistas ao também zagueiro Kanu do Vitória no primeiro BaxVi do ano, mas não foi sequer discutido pela grande imprensa esportiva. Nessa segunda situação, se pessoas capacitadas fossem convidadas a se pronunciar por meio da imprensa, ou discutir internamente nos clubes, teríamos menos chances de uma repetição agora.

O futebol, algo chave para forjar uma identidade baiana a partir do século XX, não ficou de fora das chagas de uma região que fora um polo escravista internacional durante quase quatrocentos anos. Os seus dois principais clubes, Bahia e Vitória, são originários de elites posteriormente incumbidas de implementar estratégias de branqueamento na nossa sociedade. Nos seus anos primeiros, o futebol baiano testemunhou diversas expressões desse processo, como a proibição da prática do futebol popular nas ruas.

O racismo também estava expresso no estatuto do clube Yankee, que proibia negros e trabalhadores braçais no seu quadro de associados. Ou mesmo as diversas cisões das ligas desportivas, onde o próprio Victória e o Bahiano de Tênis (origem do atual E.C. Bahia) se negaram a atuar nos mesmos certames que clubes de origem negra e popular. Porém, ambos, tornaram-se paulatinamente clubes que arrebatam multidões negras, e tiveram que tecer estratégias de ocultamento dos seus conflitos raciais, com ajuda da grande imprensa. Nada diferente do conjunto da sociedade baiana.

Vivemos em uma terra na qual determinados códigos racistas são naturalizados a fim de manter a imensa desigualdade entre negros e brancos - usar o termo "neguinho" num contexto pejorativo, é um absurdo comum da nossa gramática-, mas que não conseguem escapatória ao se fazer uma leitura apurada das estatísticas, haja vista os dados de encarceramento e os de homicídios. São códigos que se interseccionam profundamente com questões de classe e gênero no nosso dia a dia, e no futebol se refletem nos corpos e concepções que controlam as suas diretorias e processos políticos, no atual modelo de gentrificação dos estádios e arenas, e todas as formas de coisificação do torcedor.

No caso mais recente, ao que as evidências indicam, Tréllez saiu de códigos naturalizados aqui, chamando Renê de macaco. Depois, para negar a ofensa, engendrou códigos de uma sociedade com semelhanças à Colômbia, seu país de origem, onde a presença negra e a miscigenação são significativas, e enfatizou a sua herança paterna e um autorreconhecimento negro. No fim, ele não nega ter chamado Renê de macaco. Sabemos que não falta no Brasil, principalmente na Bahia, gente racista que sempre utiliza argumentos como estes a fim de não enfrentar o racismo. O racismo brasileiro é tão perverso que até a tipificação criminal nesses casos de ofensas têm se demonstrado um aliado, pois, ao não chegar às vias de uma condenação, abre-se possibilidade para negar o ocorrido. Não há nada de sutil no racismo no Brasil ou qualquer outro país da América Latina.

Vimos nos representantes dos dois clubes, e na grande imprensa, atos que demonstram incapacidade de tratar do problema. Técnicos, jogadores e dirigentes, dos dois lados, não conseguiram captar a profundidade da indignação de Renê Santos, e consequentemente não ofereceram leituras, atos e propostas consistentes para o problema. Levaríamos muitas linhas para problematizar cada resposta ao ocorrido de Carpegiani, Wallace, Mancini e Marcelo Santana. Dizer-se contrário ao racismo é apenas um passo. Temos que enfrentar também as estruturas que o perpetuam nas suas ambiguidades, a falsa meritocracia, e a expropiação da cultura negra. Discursos de ocasião não ajudam muita coisa. Muito menos criar uma ilusão que são casos excepcionais a fim de tapar as chagas do racismo presente no passado e presente dos dois clubes.

No caso do Vitória, nosso papel de apontar responsabilidades é ainda maior, pois somos torcedores desse clube. Foi lamentável a atitude do presidente em exercício Agenor Gordilho em tentar amenizar a situação. Nos fez recordar a sua herança, quando o chefe de Polícia Pedro Azevedo Gordilho, perseguia capoeiras, sambistas e praticantes de religiões afro-brasileiras entre os anos 1920 e 1930 em Salvador. Espera-se uma atitude mais objetiva deste e demais dirigentes do clube para não repetirmos ações como a do ex-presidente Paulo Carneiro, que proferiu ofensas racistas ao goleiro Felipe em 2005, e utilizou as mesmas desculpas de Tréllez.

Força, Renê!

Salvador, 23 de outubro de 2017.
 

Brigada Marighella