quinta-feira, 4 de março de 2021

FEMINICÍDIO, ANTIPUNITIVISMO E FUTEBOL

A teoria é uma coisa, a prática é outra, e muitas vezes duas lutas se chocam. Encontrar uma boa solução que não nos obrigue a abandonar uma ou outra nem sempre é fácil. É o caso da luta contra o feminicídio e a luta antipunitivista, ambas fundamentais para as organizações antifascistas.

No Brasil, país onde milhares de mulheres são agredidas e assassinadas a cada ano pelos seus companheiros (que, muitas vezes, ainda saem impunes), a luta contra o feminicídio é uma pauta cara ao movimento feminista. Fazer esses números baixarem, ou até mesmo zerarem, passa fundamentalmente por combater a estrutura machista da nossa sociedade, criando novas instituições e uma nova forma de sociabilidade. E o futebol tem um papel central nisso.

Por outro lado, ninguém deve pagar com a própria vida ou de forma perpétua pelo crime cometido, por isso é preciso ressocializar os indivíduos após a pena cumprida, independentemente do quão chocante tenha sido o seu ato, como é uma agressão covarde à própria companheira ou mesmo um feminicídio. E aqui, para não estender muito, não incluímos as críticas ao sistema carcerário e ao judiciário, que, no Brasil, são especialmente classistas e racistas, punindo sempre e de forma desproporcional os negros e os pobres.

Dito isto, como deve se posicionar uma torcida antifascista diante de uma suposta contratação de um atleta que esfaqueou a própria companheira, que já foi julgado e declarado culpado pela justiça?

Nesses casos, quando não há uma resposta fácil e pronta, o contexto importa. O nosso contexto atual é de um clube que, infelizmente, não está preocupado em combater o feminicídio, muito menos em construir uma sociedade menos punitivista. Isso pode ser notado pelo que foi feito com o futebol feminino e pelo alinhamento ideológico do presidente do clube com o presidente do país, ambos sempre contrários às lutas antiopressões, por direitos e em defesa da vida.

Considerando o contexto apresentado, a argumentação de que a contratação do jogador Wesley Pionteck seria uma forma de ressocializar o atleta é uma falácia que se soma às atitudes hostis contra as mulheres, sejam elas torcedoras ou atletas do EC Vitória. A contratação, em vez de sinalizar para um caminho antipunitivista, reforça o discurso machista e reacionário sustentado pelo presidente do clube e por parte da torcida.

Entre outras razões, é por causa desse discurso que a imagem do EC Vitória está sendo destruída há alguns anos, processo esse que se acelerou com a posse do atual presidente. Hoje, o EC Vitória é um clube-pária, sumiu dos noticiários esportivos e vem sendo tratado da pior forma possível pela imprensa local e nacional. O atual presidente não entende que a nossa imagem e a nossa história são também patrimônios, assim como o Barradão e a nossa torcida, e deprecia todos eles de forma incessante. Cuidar da nossa imagem, que anda tão maltratada, é fundamental neste momento e, infelizmente, a contratação do jogador Wesley Pionteck, sem nenhum preparo institucional para de fato ressocializar o atleta, só piorará a situação, afastando torcedores e sócios, especialmente as mulheres, além de patrocinadores.

Portanto, a suposta contratação, com a gestão do clube ideologicamente atrelada às concepções mais retrógradas da nossa sociedade, é uma afronta às mulheres, especialmente às nossas torcedoras, e sinaliza que as vidas delas não têm importância ou valem menos do que a contratação de um jogador. Neste momento, somos contrários à contratação do jogador e esperamos que o nosso clube um dia combata de fato o machismo e o punitivismo que tanto caracterizam o nosso país. Para isso, o ideal é que sejam realizadas ações de conscientização para combater a violência contra a mulher urgentemente. Em paralelo a essas ações, pode ser criado um programa sério de ressocialização e reinserção social de pessoas condenadas para que elas encontrem, após terem cumprido suas penas, portas abertas que não sejam as do crime. 

Brigada Marighella
Março de 2021